Pisão = pedra embrulhada num pano. Uma brincadeira de Carnaval. Tem um esquema para ser atada e controlada de longe. Os brincalhões escondem-se e simulam o bater COM MUITA FORÇA na porta da vítima (por vezes deixa grandes mossas nas portas....). Escolhem-se altas horas da noite para esta brincadeira, que hoje em dia ainda tem lugar, no meio de muita risada, pois a vítima é escolhida pelo seu mau feitio. A vítima, ou vocifera e vai buscar a caçadeira, ou tem um belo "fair play" e convida os foliões para beber um copo...
No final de cada semana de aulas, habitualmente sexta-feira, Daniel escutava sempre a mesma frase dita por João, seu colega de carteira:
- Amanhã vou para "a terra"!
E "a terra" de João era longe, Canas, Canas de Senhorim, de que ele falava muitas vezes, até nas composições que a professora pedia na sala de aula. Assim, chegado o fim de semana, lá partia João com os pais rumo ao norte…
Daniel pensava então:
- E a minha terra? Se nasci aqui em Lisboa ...então sou daqui.
A cada segunda-feira, no regresso de João, Daniel sorvia com avidez as narrativas e descrições do seu amigo, passadas lá em Canas: Falava-lhe do Carnaval com os seus divertidos pisões, terminando a festa em despique bravo nas "quatro esquinas". Da sua avó sábia, mestre na arte do queijo, que sempre arranjava um momento para cozer magníficos bolos que ele comia regalado nas tardes chuvosas. Ou daquela história divertida da porca preta que resolveu fugir mesmo no dia da "matança" e, embora perseguida por uma família inteira através dos quintais, ganhara a sua liberdade. Talvez viva, ainda, lá para os lados do Mondego com um simpático javali. E aquela serra, todinha, vestida de branco…
Ainda por cima, Canas tinha um Rossio, algo muito familiar para Daniel, menino Lisboeta.
Daniel ficava a pensar em Lisboa, com as suas praças e avenidas apressadas, com uma expressão triste de quem não pertence a lugar nenhum.
Havia aquela coisa estranha, de que todos os Lisboetas eram sempre de outro lugar.
E Canas? Uma ideia começou a germinar na cabeça de Daniel:
- Quando for grande, quero é ir a Canas!
Até sonhou com aquela Canas imaginária.
Um dia, chegava o pai vindo do trabalho, Daniel perguntou-lhe:
- Pai, porque é que nós não "vamos à terra"?
- Porque a nossa terra é aqui. Respondeu o pai.
- Mas esta cidade parece não me pertencer...
- Vou-te contar um segredo… A nossa terra é onde está o nosso coração e, o nosso coração, sabe sempre o seu lugar.
Uma coisa Daniel não sabe, mas eu sei, como contador desta história, e vocês leitores também, porque a estão a ler: Um dia, Daniel irá finalmente a Canas. Lá conhecerá a irmã de João, Inês, encontrando o amor naquela bela rapariga nascida ali mesmo na Póvoa. O seu coração fará uma escolha, descobrindo finalmente a terra porque tanto ansiara.
Pois, como seu pai tinha dito:
- O Coração conhece bem o seu lugar.
Gaivina no blogue Voz em Fuga
1 comentário:
Muito bonito...
Só faltou dizer para que lado bairrista pende o coração do Daniel. Espero que seja para o Paço. Éhehehehe
Enviar um comentário